Foto de 5 mulheres asiáticas de braços dados. Elas vestem a mesma camisa branca, saias com cores parecidas e corte de cabelo similar. Representam a falta de autenticidade em programas de Diversidade e Inclusão #imagemOrganizacional #diversitywashing

O programa de Diversidade e Inclusão da sua empresa é autêntico?

 

Muito antes dos recentes discursos “anti-woke” permearem o debate político nos Estados Unidos e no Brasil, a resistência aos programas de Diversidade, Equidade, Inclusão e Pertencimento já existia. Em algumas empresas, essa resistência impede a implantação de qualquer ação voltada para a promoção da diversidade. Em outras, aspectos da cultura organizacional e processos internos bem instalados vão de encontro à consolidação de um programa de Diversidade e Inclusão autêntico, mesmo quando há uma estrutura que inclui Comitê de DEIP, grupos de afinidade e profissionais dedicados.

Conheça abaixo porque a autenticidade organizacional é imprescindível nestes programas e 8 sinais sutis (e comuns) de falta de autenticidade e de compromisso genuíno com os princípios éticos da inclusão. Em quantos destes pontos sua empresa está falhando?

 

Autenticidade como fator de decisão de compra

Nas últimas 5 décadas, observamos uma mudança no processo decisório de consumidores. Ao escolher um produto ou serviço no mercado, critérios objetivos (como preço, qualidade e assistência técnica) foram substituídos por outros mais subjetivos (como experiência, relacionamento e responsabilidade social empresarial). Compramos de marcas que amamos e admiramos. Na hora de consumir ou de escolher um empregador, somos atraídos por organizações que compartilham dos nossos valores pessoais.

Neste contexto, a autenticidade organizacional, isto é, a capacidade de a empresa agir de forma alinhada aos valores que comunica, ganha toda uma nova importância. Não basta afirmar que a empresa adere a valores semelhantes ao do seu público: é importante que a imagem que ela projeta para fora dos seus muros seja coerente com a de dentro. E vice-versa.

Romper esse contrato implícito com público que consome ou que escolhe trabalhar na empresa é percebido como uma grave quebra de confiança, passível de cancelamento e boicote.

 

Os custos da falta de autenticidade em relação à ética da inclusão

Basta abrir os jornais para perceber as consequências negativas dessa quebra de confiança. Até as maiores empresas do mundo não escapam a essa realidade.

Nos resultados financeiros de 2021, a empresa Meta, que inclui Facebook, Instagram e WhatsApp, sofreu uma queda de 26% nas suas ações, equivalente a 250 bilhões de dólares em valor de mercado. Especialistas apontaram como principais razões para a desvalorização a debandada do público jovem para a concorrente TikTok e a dificuldade em atrair profissionais de talento para seus quadros, em função de a empresa ser percebida como “tóxica” para a sociedade e para a democracia.

Similarmente, em junho de 2019, mais de cem funcionários do Google enviaram uma carta para os organizadores da Parada LGBTQ+ de San Francisco pedindo que proibissem a empresa de patrocinar o evento. O motivo da demanda era que a empresa, dona do YouTube, não estava agindo para retirar da plataforma ou desmonetizar vídeos contendo discurso de ódio contra grupos minorizados. Pelo contrário, o algoritmo do YouTube estava contribuindo ativamente para a disseminação deste tipo de conteúdo e para a radicalização dos seus usuários.

 

Autenticidade, imagem organizacional e diversity washing

Quem vivenciou o hype da Rio Eco-92, talvez se lembre da onda de posicionamentos públicos de marcas em prol da preservação do meio ambiente. Em muitos casos, esses posicionamentos não vinham acompanhados de ações concretas, a tal ponto que, na época, a expressão green washing foi cunhada para evidenciar os bem conhecidos “banho de loja”, fazer parecer o que não se é.

Trinta anos depois, observamos um fenômeno similar. Inspirada na antecessora, a expressão diversity washing foi criada com o intuito de questionar empresas que alegam aderir aos valores de diversidade, inclusão e justiça social, sem por isso promoverem reais mudanças na estrutura e na condução dos seus negócios.

A grande diferença entre 1992 e 2024 é que, de lá para cá, o acesso à informação e a organização da sociedade civil nas redes sociais facilitou a auditoria popular desses discursos. Hoje, é possível confrontar relatos de clientes, jornalistas, colaboradores, fornecedores, profissionais terceirizados e órgãos reguladores para verificar se o discurso do alto escalão sobre os programas de DEIP é coerente com a experiência de outros stakeholders.

 

8 alertas sutis e comuns de falta de autenticidade

Tornar a autenticidade organizacional tangível em um único indicador é uma tarefa complicada. O que é percebido como autêntico para uma pessoa pode ser percebido como comportamento habitual para outra. Sendo assim, o melhor que podemos fazer é ficarmos atentos aos momentos em que a incoerência existe; aos sinais da falta de autenticidade.

Pensando nisso, compartilho meu checklist pessoal para você questionar se sua empresa não está vendendo gato por lebre ao anunciar seu programa de Diversidade, Equidade, Inclusão e Pertencimento.

 

  1. Especialista de Diversidade e Inclusão que nunca pisou na empresa

Sabe aquela pessoa que é Top Voice do LinkedIn e agora está “ajudando a empresa a se tornar mais inclusiva”, mas passa o dia inteiro postando sua história de vida ou opiniões sobre notícias de jornais? Quando exatamente ela está desenvolvendo programas de DEIP para o público interno? Consegue falar sobre o contexto cultural da empresa, os desafios e iniciativas implementadas?

Postagens de profissionais que lideram programas de Diversidade e Inclusão autênticos normalmente se parecem com as de qualquer profissional de Recursos Humanos: anúncios de vagas em aberto, fotos de formações na empresa, compartilhamento de relatórios e de metas da organização. Além disso, essa pessoa vai necessariamente ocupar boa parte do seu tempo em reuniões, eventos de entidades setoriais, feiras de emprego nas universidades ou encontros de grupos de afinidade. Não sobra muito tempo para redes sociais.

Veja bem! Não estou afirmando que é errado a empresa contratar alguém para gerir sua imagem nas redes sociais. É parte indispensável da gestão de uma empresa.

O alerta de autenticidade está em anunciar o cargo dessa pessoa como de um profissional de RH, em vez de Marketing ou Comunicação. Se ela não está fazendo o trabalho de DEIP, quem está?

 

  1. Relatórios de Diversidade e de ESG sem fotos ou relatos de colaboradores diversos

A empresa emprega milhares de pessoas, tem resultados incríveis de representatividade e não consegue encontrar uma mera alma interessada em relatar sua experiência lá dentro? Será que é um lugar tão inclusivo assim? Será que não coloca fotos porque a diversidade está limitada às pessoas token mais privilegiadas de cada grupo: a mulher branca, o homem gay cisgênero ou o profissional com uma deficiência imperceptível? A seção do relatório com fotos do comitê executivo só vai ter homens brancos?

 

  1. Palestrantes convidados na base da “amizade”

Quem já trabalhou com consultoria independente já passou raiva com “amigos” que recebem salário mensal e pedem para você trabalhar de graça para a empresa deles para “testar para oportunidades futuras” ou pela “visibilidade que o trabalho vai te dar lá dentro”?

Empresas que faturam milhões de dólares por ano e não disponibilizam orçamento para formar seus times não são lugares inclusivos. Incluir em uma sociedade que nos ensinou a excluir exige um intenso esforço de sensibilização, reflexão crítica e desaprendizagem. É um trabalho especializado que demanda a atuação de profissionais com alta qualificação.

Quando quem presta a consultoria faz parte de um grupo minorizado, temos um agravante de crueldade. Possivelmente essa pessoa trabalha com consultoria por falta de opção, por encontrar muitas portas do mercado de trabalho fechadas para ela.

Não seria justo que seu tempo, formação e trabalho fossem remunerados para que pudesse ter uma vida mais digna?

 

  1. Pequenos fornecedores espremidos nos preços e nos prazos de pagamento

A empresa paga um cachê expressivo para palestrantes que estão bombando na TV e influenciadores de redes sociais, mas para trabalhos mais complexos e especializados espreme o pequeno fornecedor nos preços? Ou o obriga a desembolsar impostos do serviço que prestou, pagando somente em 90 ou 120 dias após a entrega?

Até que ponto essa prática não inviabiliza seu negócio no longo prazo? Na relação comercial, qual dos lados possui mais folga no fluxo de caixa?

Será que a multinacional que se gaba de trabalhar com fornecedores “diversos” e utiliza práticas predatórias está realmente contribuindo para a circulação de dinheiro e para a autonomia de empreendedores negros, periféricos e LGBTQIA+?

 

  1. Comitê de Diversidade e Inclusão sem autonomia

Quando pessoas do comitê de diversidade ou do grupo de afinidade, que usualmente têm a vivência de um marcador social, não possuem autonomia ou orçamento para decidir o que fazer pela empresa, o trabalho de DEIP corre o risco de ser superficial.

Isso ocorre porque a diretoria muito provavelmente não possui a vivência daquele lugar de fala e pode subestimar o impacto psicossocial de algumas dinâmicas interpessoais ou institucionais problemáticas na empresa.

Profissionais com experiência em DEIP têm consciência que navegam em ambientes onde vieses e resistências são comuns. Para operar uma transformação cultural, precisam em algum momento levar pessoas a zonas de desconforto e lidar com a fragilidade de membros de grupos historicamente privilegiados.

Quando a decisão de dar sequência ao trabalho repousa somente nos ombros dessas mesmas pessoas, o trabalho pode ser interrompido precocemente, comprometendo a inclusão.

 

  1. Vagas afirmativas eternamente em aberto

Se a empresa anuncia várias vagas exclusivas para grupos minorizados, é óbvio que está fazendo um bom trabalho de inclusão, certo? Errado!

Com bastante frequência, vagas afirmativas são anunciadas como posições genéricas, para constituição de banco de talentos. E há várias razões possíveis para se fazer isso…

Pode ser que a empresa esteja apenas avaliando a atratividade da sua marca empregadora para um público específico, fazendo um levantamento salarial, apressando-se para atingir a meta de diversidade da matriz, constituindo provas de esforço para um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou projetando para o mercado financeiro uma imagem de empregadora de pessoas diversas sem nunca efetivamente contratar ninguém.

Se você se candidata para uma vaga exclusiva, vale se perguntar: Por que a vaga foi aberta? Quantas pessoas da última turma de estágio/trainee ainda estão na empresa? Quantas pessoas diversas ocupam posição de liderança? Quando a vaga vai ser fechada?

 

  1. Apoio pessoal do alto escalão a figuras políticas que perseguem minorias

Desde a proibição de doações de empresas a campanhas eleitorais, em 2015, muitos executivos e executivas passaram a fazer doações pessoais ou declarado publicamente apoio a políticos de todos os espectros.

É informação pública como esses políticos se posicionaram durante seus mandatos em relação a diversas temáticas envolvendo grupos minorizados. Participaram da redação de projetos de lei excludentes? Reduziram direitos civis de algum grupo? Votaram contra ou a favor desses projetos de lei? Proferiram discursos de ódio em plenária ou em CPI.

Se você tem acesso a essas informações, tenha certeza de que quem os apoiou financeiramente também. Ao apoiar pessoalmente políticos que perseguem grupos minorizados, o alto escalão da empresa sinaliza os valores que conduzem o negócio.

 

  1. Diretoria sem metas de Diversidade e Inclusão

Qualquer programa estratégico para a organização tem que ter metas. Nesse sentido, o Censo da Diversidade e Inclusão é uma etapa fundamental para a construção e monitoramento de indicadores e metas.

Quando a Diretoria não possui metas em um programa da empresa, outras demandas são priorizadas. Com programas de DEIP não é diferente; ainda mais se tratando de um programa de transformação cultural, que demanda tempo até colhermos todos os frutos de suas ações.

Inversamente, quando a diretoria é incentivada e responsabilizada pelo sucesso do programa, as ações se tornam mais coerentes e coordenadas. Elas são incorporadas à estratégia do negócio e à cultura da empresa: indissociáveis. Todo mundo torna-se corresponsável por criar e manter um ambiente de trabalho humanizado e inclusivo.

 

Autêntico não é sinônimo de perfeito

No Instituto Diversidade, acompanhamos empresas dos mais variados portes e setores. Seja qual for o estágio de maturidade do programa de Diversidade e Inclusão, sempre haverá trabalho a ser feito: censos e indicadores a implementar, iniciativas, políticas e processos a revisar, pessoas a sensibilizar, competências a desenvolver e iniciativas a coordenar.

As empresas que se dizem perfeitas ou possuidoras de programas muito evoluídos correm tanto o risco de reproduzir essas práticas inautênticas quanto as que estão iniciando essa jornada. As vezes até mais!

Ao contrário da empresa perfeita que anunciam no LinkedIn, a empresa autenticamente inclusiva erra, tropeça, conversa, ouve, reflete, aprende e cresce.

Prefiro trabalhar e comprar da segunda. E você?

 

Artigo publicado originalmente na EA Magazine em Abril 2022, escrito por Eduardo Estellita

 

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